Três problemas de cidades históricas com a hotelaria distribuída, ou experimentadores By Night:
1 Depredação
2 Desertificação
3 Desassossego
Todos os envolvidos deveriam se preocupar com a preservação dos destinos e a escolha dos moradores de alguns lugares será: aderir ou fugir.
Os efeitos colaterais do sucesso de marcas como AirBnB, Booking e OYO Homes, começam a ser sentidos nas cidades mais sensíveis. Nestes quesitos de sensibilidade estão enquadradas, Copenhague, Bruxelas, Paris, Amsterdã, Londres, Munique, Lisboa, Porto, Montevidéu, Lima, Buenos Aires, Jerusalém, Istambul, Nápoles e Roma, entre outras.
Os experimentadores (pessoas que se hospedam nesse tipo de oferta, não são, ou não deveriam ser chamadas de hóspedes) estão depredando os edifícios históricos e os proprietários, no afã de fazer negócios, reformam as moradias e descaracterizam imóveis protegidos pelo patrimônio histórico e cultural.
Com o boom dos “aluguéis por noite”, os moradores permanentes, principalmente os com mais idade, estão sendo expulsos das áreas residenciais centrais, ou por causa do barulho ou por motivação financeira. Isso enfraquece o comércio e altera o planejamento urbano. A fuga dos moradores atrás desassossego, leva a desertificação e ao surgimento de focos de lupenzinato e dificuldade de prover segurança e mobilidade.
Quando alguns planejadores e formadores de opinião foram atrás de colocar a culpa da depredação e do desassossego no overtourism, ou “Turistas em Excesso”, estavam equivocados, pois as pesquisas melhores elaboradas descobriram que a causa disso era a desorganização dos fluxos e não o excesso de turistas.
Em 2017, esse escriba estava de passagem por Portugal e, cumprindo compromissos, encontrou-se com Telmo Farias, produtor agrícola, proprietário de hotel-fazenda e prefeito de Óbidos, cidade histórica distante 80km de Lisboa. Ele foi enfático ao não permitir alojamentos em casas no centro histórico: “casa é lugar de se morar e não se hospedar ou fazer festa”. Ele sabia do que falava, pois tinha em sua responsabilidade um Patrimônio da Humanidade que, se não for preservado, mata o seu principal negócio que é a visitação cultural de instalações seculares. Na cidade, ele proibiu o alojamento por aplicativos através de uma lei municipal e a vigilância constante, mas, segundo ele falou com orgulho, “nada daria certo de os proprietários não se convencessem da necessidade de preservar”. Telmo é realista ao afirmar que “não há lei que possa frear essa tendência, mas é possível disciplinar, organizar e delimitar o uso de forma a não prejudicar as cidades e nem os negócios da hotelaria”. O aluguel de temporada na periferia e na zona rural está liberado.
Roberto Laurent Schleder, 76, é ex-funcionário do DMAE que mora em Colinas, uma micro-cidade no Vale do Rio Taquari e conta a saga de sua fuga para o interior: “morava ha mais de 40 anos no sexto andar de um edifício residencial na Rua da Praia, no centro histórico de Porto Alegre, com vista permanente para o Delta do Jacuí, com o Por-do-Sol do Guaíba perpendicular a minha varanda, 200 dias por ano”. Aí, começou a febre pandêmica e globalizada dos aplicativos de aluguel e ele descreve: “Era o paraíso na terra até o vizinho do andar de cima transformar o apartamento dele em aluguel por aplicativo. A bagunça, barulho, sujeira, estranhos circulando pelos corredores do prédio e bêbados nas madrugadas, e a única saída que me sobrou, foi a fuga para o interior e começar vida nova depois de velho”.
Cidades Históricas x Cidades Histéricas:
Depois dessa onda de preocupação com a depredação pelo descuido nas “cidades históricas”, surgiu um outro termo: “Cidades Histéricas”, para os destinos que querem turismo a todo custo e se tornam verdadeiros “canteiro de festas” ou “parques temáticos” onde o tema é “tudo”, pois a movimentação é constante, cabem todos os modelos de negócios e os moradores e trabalhadores estarão distantes das áreas de comércio e eventos.
Florianópolis, Balneário Camboriú, Foz do Iguaçu, Rio de Janeiro, Salvador, Orlando, Las Vegas, New York, Los Angeles, Cingapura, Bangcoc e Macau, foram feitas para não ter moradias normais nos seus centros ou precisam tanto do turismo que aceitam qualquer proposta e oferta.
Da mesma forma que a tendência é imbatível, o disciplinamento pelos gestores locais será a saída para a preservação e, em termos econômicos, pela ameaça aos meios tradicionais de hospedagem, tributar não é solução. E caso algum protagonista acredite ter solução, ele não estudou o tempo ou em tempo: em um futuro não muito distante ocorrerão alguns movimentos com a organização dos anfitriões em ONGs representativas, empresas e cooperativas provedoras de facilites, além da migração dos pequenos meios de hospedagem para essa modalidade, ou para um misto que pode surgir daí.
Enquanto isso, pelos relatos e pélas ocorrências, todos os envolvidos deveriam se preocupar com a preservação dos destinos e a escolha dos moradores de alguns lugares será aderir ou fugir.
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