Gramado a sutil evolução

Gramado tem pouco mais de 100 anos, desde a chegada para ficar de Tristão de Oliveira (+ou- 1875) e ganhar o nome de Secador do Costeira. Naquele tempo, fotografia era algo inexistente e pintores-retratistas se arriscavam pouco em lugares remotos. Restaram poucos testemunhos em forma de edificação ou pegadas do que foi feito. Mesmo assim, é possível traçar uma trajetória de como evoluiu o lugar, desde a terra dos povos originários até se tornar um todo-lugar.

Da arquitetura

O estilo atual passa por uma mescla que, mesmo sendo criticada pelos intelectuais da estética e do design, fazem sucesso por fazer bem aos olhos. Tem de tudo: Barroco, Bávaro, Tirolês, Mediterrâneo, Americano e Gramadense. Mesmo que a síndrome do vira-lata não permita que se considere esse mix como um estilo “local” e faça com que o mesmo seja justa e devidamente reconhecido como bonito prático e ambientado. Bezzi, Volk, Edenaur e Diogo têm estilos próprios mesmo que se detecte as influências americana, italiana e alemã. Mas, isso de estilo e influência, só tem a ver com o presente e o futuro e nada a ver com o passado.

Barracos e casebres de pedra marroada e madeira falquejada, em estilo indefinido e erigidas de forma empírica,  formam as primeiras imagens da cidade em um tempo em que o Brasil era movido a 4 patas (mulas e cavalos), depois, bem depois que boa parte do mundo recebeu o trem e os carros, o lugar não evoluiu no mesmo ritmo e continuou gerando barracos de madeira e taipa, não por causa do gosto ou da técnica, mas, por causa das condições econômicas dos habitantes de origem exógena que aportava no lugar.

Quando chegou a riqueza, chegaram também os estilos. E começou outro nível de discussão.

Dos Acessos

Gramado sempre foi inacessível, mesmo que os esforços para isso sejam e tenham sido notáveis (sim! Os primeiros estrangeiros queriam ficar escondidos). É considerada uma façanha a chegada pela transposição da serra por paras de muares escalando pedreiras para buscar cascas de madeira e posteriormente, a escalada dos trilhos para buscar madeira, usando soluções helvéticas para transpor altitudes. Atualmente, fica difícil explicar para uma pessoa geograficamente pouco engajada, que, para vir da capital até a cidade é necessário atravessar uma dezena de centros urbanos e trocar de estrada pelo menos 3 vezes.

Mu-Resort

Mas, isso não é de hoje. Muito antes de Tristão de Oliveira, para chegar nesse lugar, as mulas vinham se esconder pelos gramados e sombras de araucárias, advindas do caminho das tropas, que passava ali pelos lados de São Francisco de Paula. Aqui era um lugar propício, pois, pela formação da paisagem, nada ficava às vistas da guarda. E as mulas pastavam sossegadas, sem ter que mostrar o registro para a patrulha até serem encaminhadas. 

Das Direções

360 graus em menos de 2 séculos! Folclore à parte, podemos pensar ser verdade que a primeira chegada no lugar, veio pelas trilhas do leste: antes de chegar no gramado, os muares e as cavalgaduras passavam pelos Campos do Canella. 

Depois de muito tempo, as mulas de Tristão de Oliveira subiram de São Leopoldo, fazendo uma trilha vinda do sul, obrigando o olhar da geografia virar 90 graus, para o sul. Foram-se os cavalos e as mulas, os trilhos subiram seguindo as trilhas. E chegou o trem! O trem não veio para cá para trazer gente ou produtos e sim para buscar madeira. O resto era efeito colateral, desde pessoas doentes em busca do ar puro da serra para ser paliativo da tuberculose, até a chegada de forasteiros em busca de aventuras e empreendedores em busca de oportunidades em um tempo de vacas magras, como o foram quase todos os tempo do brasil antes de Getúlio, desaguando no turismo empírico de escapadinha até se tornar cultural, profissional e vertente econômica.

+90 gaus

E foi com Getúlio que os carros substituíram os trens, os trilhos perderam espaço para as estradas de rodagem e, por força, de novo, da geografia, a estrada veio do oeste, pois, se antes os caminhos ligaram o lugar a outro lugares maiores, agora, era preciso ligar o lugar a outra estrada, que ligava outros lugares estrategicamente mais importantes, formando uma “espinha dorsal”. E assim, Gramado ganhou uma ligação com a estrada federal BR-116. Em cuja confluência já estava nascendo outra cidade. Foi a segunda virada cabeça em mais 90 graus. 

Círculo

Caso o futuro não se assuste com os sinais, todos saberão que agora é a vez do avião. Não que estradas, trilhos e trilhas deixem de existir ou deixem de ser importantes, mas, voar é preciso. Dentro de muito pouco tempo, o avião estará pousando nas cercanias da cidade e pelo andar da carruagem, a próxima chegada será pelo norte, batendo os 4 pontos cardeais: a civilização pós-invasão europeia começa no leste, passa pelo sul, pelo oeste e termina pelo norte. Terminar é um pouco descortês com as vontades do deus Cronos, pois, o tempo do mundo não tem fim e outras surpresas virão, como a chance de os VTOLs chegarem direto do céu nos pátios do hotéis, completando a imagem de que todas as direções levam a Gramado. 

Da construção:

A humanidade saiu das cavernas, entrou nas barracas, pulou para dentro de casebres e produziu fortalezas, palácios e monumentos em forma de cidadelas. Das grutas, às moradias de pedra, ao concreto e deste ao aço, foi uma jornada de milhares de anos a que só temos noção ao olhar para traz e juntar em uma mesma linha do tempo, todas as evoluções humanas no quesito proteção da família.

Os formatos da “habitações”, desde as “casas de negação do ócio” até as casas de silêncio” e as “casas de proteção da prole”, evoluíram conforme se descobria novos materiais e novas formas de moldar cada um destes materiais, da madeira à pedra, ao barro, ao ferro e deste ao aço, cada passo desta evolução fez crescer esses monumentos em espaço e altura. A altura foi importante por dois motivos, primeiro para sinalizar locais e em segundo lugar para aglutinar mais gente em menos espaços.

Da Altura:

Em todo o planeta, depois de sair das cavernas na era do gelo, as construções humanas mais antigas não foram feitas em grandes alturas, não por causa da estética ou do meio ambiente e sim, pela falta da tecnologia que desse segurança para a edificação e agilidade no deslocamento, tanto de líquidos como de sólidos. Subir na vertical sempre foi um sacrifício, pois escadas e rampas não permitiam agilidade e praticidade. Desde o “parafuso de Arquimedes”, transportar água para cima, sempre foi um desafio, por isso, edificações altas, exigiam sacrifício humano para acesso ao liquido vital.

Da Escada ao Elevador

A tecnologia que permitiu a construção de arranha-céus é recente e foi tornada viável com o uso do aço e a eletricidade propiciou a invenção do elevador elétrico. Aqui convém adicionar um adendo sobre o elevador, pois esse já existia desde o início do Império Romano, operado de forma mecânica e os vestígios desse modelo podem ser vistos nas ruínas da Muralha de Adriano, no Norte da Inglaterra. Agora, com o aço e a eletricidade, pronto! Agora, o céu era o limite e isso ocorreu há menos de 2 séculos. 

Dos casebres de tábuas aos jardins suspensos 

A Gramado como “Cidade do século 21”, cujo boom imobiliário se acirrou em 2002, como efeito colateral da crise cambial do segundo governo FHC, ganhou ares de futurista com imagem passadista. Em nome de alguma coisa que não era o meio ambiente, a tecnologia ou a estética, criaram um limite para imitar cidades medievais da península asiática conhecida como Europa. 

Hoje

Aquelas casinhas de tábuas sarrafiadas lindamente pintadas ou envernizadas, não existem mais e deram lugar a edifícios de mais de 15 metros do chão ao píncaro sem garagens no subsolo e posteriormente cresceram para baixo, ganhando mais 7 ou 8 metros dentro da laje de pedra. Isso foi mais que uma evolução ou sinal de riqueza, foram as mudanças de hábitos que levaram a isso. Caso se olhe um pouco acima do aro do pincenê, veremos uma formação humilde até a década de 60 do século 20 e uma outra formação, muito triste e pobre nas vilas, e sorumbática nos bairros mais aquinhoados pela sorte, na segunda metade do século. 

Em 2002, cacciolamente orientado, o boom imobiliário construiu em menos de 30 anos a Gramado do século 21. Essa cidade de hoje não tem muito a ver com a Gramado do século passado.

Atavismo

A cidade chorada por saudosistas, tinha o mesmo tanto de moradores equivalente ao tanto de hóspedes que dormem uma noite nos hotéis da GPK em Gramado em 2024. Isso é um fenômeno terráqueo que, em menos de uma geração, alterou tanto a paisagem e o ambiente, que os vestígios do passado correm o risco de desaparecer do cotidiano e por isso é preciso investir em museus. 

Velocidade

Os nascidos na cidade neste milênio, ainda não terão saído da universidade, ganharão uma cidade da idade deles e eles não terão como repetir aquela velha e romântica frase do Jaime Caetano Braun “naqueles tempos, sim”. 

Eles não conheceram aqueles tempos.

Cultura

A gastronomia é a maior expressão da cultura humana. É comum se pensar em um povo e imediatamente se remeter para um prato, uma bebida ou um método de se prepará-los. Strogonoff Russo, Pizza Italiana, Fondue Suíço, Feijoada Carioca, Moqueca Capixaba, Bacalhau Português, Vodka Russa, Churrasco Gaúcho, Goulash Húngaro, Sushi Japonês, Chucrute Alemão, Esfiha Árabe, Yakisoba Chinesa, Whisky Escocês, Champanhe Francesa, Cachaça Mineira, Cerveja Belga, etc. 

O estilo “samba do crioulo doido”

Gramado é uma cidade que tem sua atividade econômica baseada em turismo cultural, com a Vertical de gastronomia representando sua maior expressão. Mesmo com ares de alta-gastronomia, o cardápio de Gramado pode ser classificado como “cozinha global, pois estão presentes desde um churrasco estilizado até os fast-foods americanos com uma mistura interessante que cria um amalgama relativamente estranho, com sushi no Buffett das churrascarias, tapioca no café da manhã de hotéis de bom nível e culturalmente, as expressões artísticas variam desde sósias de heróis americanos até tocador de berrante goiano em churrascaria gaúcha. Mesmo assim, a cozinha franco-suíça predomina na cidade, seguida da cozinha Italiana com predominância para as pizzas. Nenhum artista criativo se arvorou em criar personagens da rica cultura gaúcha, como o Guarani que mudou o mundo, o Laçador que encantou José de Alencar, a Heroína Ana Terra dos romances de Erico Veríssimo ou um dublador do Teixeirinha. A cultura gaúcha não faz parte dos planos do grande parque temático que já abriga mais de 50 mil pessoas trabalhando e produzindo na cidade ícone da “Sociedade dos Sonhos”. Justiça se faça a alguns renitentes: existe ainda uma cozinha autoral, que emula diversas outras culturas, mesmo criando um perfil local ainda que trazendo as origens na gastronomia do velho mundo. 

Mas, carreteiro, espinhaço de ovelha, arroz de carreteiro, revirado de charque e farofa de pinhão, são raros nas cozinhas.

Não Lugares = Todos os Lugares

O sociólogo Emir Sader, define aeroportos hotéis de luxo e shopping center como não-lugares, “são espaços sem tempo nem espaço, desterritorializados” e explica: “As cadeias de hotéis se encarregam de fazer com que as pessoas acordem em um hotel, sem consciência do país em que estão. Da mesma forma se chega ao aeroporto de um país e tarda um pouco até que exista algo que identifique o país de chegada. Os shopping centers, então, são espaços feitos para que cada um se desligue da sua cidade e se sinta articulado pelo mercado global e suas marcas”.  

No turismo é diferente: a sociologia ainda não se debruçou sobre o tema para explicar como se constrói lugares que podem representar todos os lugares, fazendo as pessoas se sentirem em vários lugares diferentes ao mesmo tempo, como ocorre em Gramado, quando se pode sair aa Lombard Street em São Francisco na Califórnia, atravessar a rua, entrar em um túnel do tempo e voltar 100 anos para comer pão com linguiça assado em forno de barro em uma colônia de imigrantes, andar mais 50 metros e se sentar em um café de Paris, cruzar duas ruas e passear por uma galeria de Milão e entrar em um restaurante do Texas. Com esticadas de poucos quilômetros pode-se ir de uma estação de neve na Suíça até uma vila do interior de São Paulo e passar a tarde em uma London Eye olhando uma paisagem neozelandesa. O inverso de “não lugar“, Gramado é um “todo lugar

A Dream Society permite tudo isso. E por isso Gramado é um MINI-MUNDO!

 

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