Turismo Gaúcho: 5 meses de crise na hotelaria

MARÇO – Slowdawn

Na última sexta-feira, dia 31 de julho, a hotelaria do Rio Grande do Sul completou 5 meses de crise, pois, no mês de março, a partir do dia 17, ela entrou em uma espécie de paralisia progressiva. A “saúde” dos hotéis da capital e dos principais destinos de turismo do estado, Região dos Vinhedos e Região das Hortênsias, era medida pelo volume de chegadas do principal aeroporto, o Salgado Filho. As demais 207 cidades que têm endereços de meios de hospedagens regulares, dentre as 497 que preenchem o território gaúcho, cujos hotéis e pousadas se alimentavam do fluxo de negócios e vagens, também entraram em hibernação.

Um balanço do que aconteceu nestes 5 meses, mostram um prejuízo irrecuperável num horizonte de dez anos.

As 3 figuras a seguir mostram, com os dados fornecidos pela Fraport – a operadora do Aeroporto de Porto Alegre – o comportamento dos desembarques do trimestre, cujos dois primeiros meses do ano de 2020 representava uma evolução muito boa (quase +10%) em relação a 2019. Em março, os últimos 13 dias, ceifaram os indicadores e mostrou a ponta do iceberg em que se tornaria a hotelaria em abril.

Pelos dados da tabela acima à direita, levantada pelo IN-PACT, em 2018, que mostra como os hotéis de Porto Alegre constroem seu movimento, percebe-se o tamanho do rombo estatístico. Com o resto do território não é muito diferente, este fenômeno se espalhou por todos os cantos.

Como a grande maioria dos quase 1700 hotéis e pousadas existentes no estado são micro e pequenas empresas, isoladas e operadas pela família proprietária ou são pequenos negócios arrendados para outras famílias, uma boa parte ficou “aberta”, pois, os proprietários ou arrendatários residem no mesmo endereço e “fechar” não era opção e não acrescentaria nenhum outro custo.

 ABRIL – Lockdown

Abril foi um mês fatídico, com o encerramento de mais de 95% dos hotéis, não pelas restrições governamentais e muito mais pela falta de hóspedes. Sem aviões e sem eventos, o fechamento  foi única saída.

Ficaram abertos hotéis que hospedavam pessoal de saúde, segurança, tripulantes e uns poucos teimosos.

Redes e Grande Hoteis:

O mês de abril representou para as empresas hoteleiras de grande porte uma grande dúvida de como tratar seu contingente de trabalhadores, pois o governo estava agindo em favor das empresas para garantir os empregos, os funcionários estavam conscientes da emergência e negociaram com sobriedade em algumas regiões, porém, pela falta de confiança na legislação, algumas empresas não tiveram saída: promoveram demissões negociadas com aqueles que poderiam receber o seguro-desemprego, com a certeza que, passada a pandemia, eles voltariam a ser recontratados, uma vez que a maioria dos trabalhadores da cadeia da hospitalidade são profissionais qualificados e necessários para esse Trade.

Neste período apareceram as primeiras “baixas” na oferta de hotéis, pois, alguns que tinham comorbidades, tanto financeiras, como societárias ou fiscais, não conseguiram boas negociações com credores, trabalhadores ou mesmo ficaram impossibilitados de “ir ao banco” e encerraram suas atividades.

MAIO – Shutdown

Com a promessa de final da quarentena para o mês de maio, que tecnicamente havia sido explicitada pelo ministério da saúde, que teríamos 15 dias de Lockdown e um mês de quarentena, como ocorreu na China, na Coreia do Sul e em alguns países da Europa, algumas empresas ensaiaram a volta às operações, porém, as aéreas ficaram no chão, os transportes terrestres não puderam ser retomados, a desinformação ou desencontro de informações transformaram o mercado em um caos e a reabertura dos hotéis ficou atrelada muito mais aos meios de transportes que ao recrudescimento de contaminações. Como a hotelaria já possui padrões rígidos de limpeza, higiene e segurança de alimentos, o aumento das práticas e a criação de protocolos para a reabertura enfrentou ainda um terceiro elemento que preocupou e levou a hotelaria a ser “desligada” novamente: os desentendimentos entre governos – local, estadual e federal – que, ou promoviam a desqualificação dos elementos de segurança em saúde, ou tomavam atitudes intempestivas de “fechar” e “abrir”, com muitos recursos na justiça, a politica tomou conta da narrativa e com isso, novas quebras se anunciaram.

Maio representou mais demissões na hotelaria gaucha e a retomada foi sendo adiada e só não se manteve em estado de torpor, pela tímida retomada da aviação. Ainda assim, sem os eventos e os negócios, mais de 80% dos meios de hospedagem das 5 principais cidades do estado em termos de negócios: Porto Alegre, Caxias do Sul, Passo Fundo, Santa Maria e Pelotas, amargaram novos revezes.

JUNHO – Knock Out

O mês de junho é considerado um dos melhores meses do turismo gaucho, seja ele em que segmento for, pois, para os negócios e eventos é um dos meses chamados de “alta temporada” e para o turismo são as datas de compras, festas e chegada do inverno na serra, quando se somam os turistas de inverno com os eventos de negócios.

Com três meses sem faturamento, algumas empresas simplesmente foram à lona. Dentre os hotéis isolados, foi notada uma tendência à desistência da hotelaria como negócio. Com muitas famílias fechando seus negócios hoteleiros e voltando-se para outras atividades, como agropecuária, construção civil e comércio – estes três segmentos da economia concentram a origem da maioria dos hotéis do Rio Grande do Sul.

Nos pequenos negócios, tivemos momentos tensos no mês de junho, quando alguns operadores de pequenas pousadas começaram anunciar a venda de seus pertences, para fazer dinheiro e mudar de ramo, de cidade ou de estado. O ápice da crise pulando do profissional para o psico-social: houve tentativas de “acabar com a própria vida”. A depressão tomou conta de alguns profissionais e isso, por pouco, não foi trágico, ou ainda não houve nenhum caso consumado conhecido ou divulgado.

JULHO – Hope Down

Julho é um mês considerado de baixa movimentação na capital, em oposição ao que acontece nas principais cidades da serra, com as férias escolares e o auge do inverno. Neste ano, está sendo diferente: as temperaturas de zero grau em Gramado, Canela e Bento Gonçalves não ganharam selfies e postagens em profusão como ocorria nos anos anteriores. A hotelaria de Porto Alegre fechou julho com ocupações abaixo de 15%, reocupando apenas 10% da mão-de-obra disponível e o fechamento de três grandes hotéis, com a troca de algumas bandeiras e no restante do estado, a hotelaria perde dois ícones como o Weiand e o Laje de Pedra. “Sumiram” também uma grande quantidade de pequenos hotéis e pousadas, açodados pela “esperança em baixa”, ou “desalento” e pelo avanço do “aluguel de temporada”, que está dizimando as pousadas em destinos turísticos pelo mundo a fora e por aqui não está sendo diferente – alguns afoitos consideram que esta modalidade de hospedagem é uma outra pandemia.

Gramado e Canela, que formam um dos clusters de turismo de maior desejo e procura do mundo, amargaram pouco mais de 20% nas taxas de ocupação do mês de julho e mais de 5.000 pessoas estão encerrando seu período de seguro-desemprego e começam a se manifestar em forma de desespero por falta de perspectivas. Historicamente, as ocupações destas duas cidades neste mês não estariam abaixo de 80% e as empresas teriam importado quase 10% de mão-de-obra “estrangeira” para suprir a demanda de atendimento.

Nos outros setores da cadeia produtiva do turismo e do acolhimento não tem sido diferente em nível de Brasil: o balanço da associação dos restaurantes anunciou que o setor que em tempos normais  acomoda 6 milhões de trabalhadores registrados nas empresas de alimentação fora do lar (sendo as micro e pequenas empresas representando a maioria esmagadora, como em todos os setores da economia brasileira) deu baixa em mais de 1,2 milhões de carteiras profissionais nestes 5 meses, sendo que 78% delas demitiu pelo menos um empregado e 30% dos CNPJs deste segmento não voltarão a operar.

O Futuro convida para reflexões

Mesmo com a sociedade traumatizada pelos acontecimentos, todos são chamados a refletir como será a vida depois da pandemia. A aviação dá sinais de recuperação, com as empresas aéreas sinalizando que, ao fim de agosto, perto de 45% da malha nacional estará retomada e os vôos internacionais começam a ser remarcados para o inicio de outubro, mesmo que haja a certeza que o fluxo de 2018 só seria retomado em 2025. Os governos dos países mais abastados entraram forte nas áreas estratégicas da economia, como aviação, produção agrícola e serviços públicos, garantindo a operação de empresas que sem essa ajuda não voltariam ao mercado e isso dará o folga necessário para que o mundo aprenda a viver 30% mais pobre. Não será o melhor dos mundos, mas, sinalizará que a humanidade evoluiu, pois, essa foi a pandemia que menos vidas ceifou dentre todas desde a “Peste de Justiniano” em 541 da era presente.

Na contra-mão

Mesmo que 2020 esteja perdido para os eventos e para a economia do turismo, nem tudo está perdido quando se fala em hotelaria. O que injeta alguma esperança no setor é que, de agosto a dezembro os mapas de reservas das empresas aéreas (as que sobrarem) indicam que a aviação retomará ainda este ano, sua atividade em 50% do volume de 2018 e em 2021, abrirão dois novos (e grandes) hotéis em Porto Alegre, cinco grandes hotéis tomarão forma em Gramado e dois em Canela. A serra gaucha terá um upgrade no formato do sistema de hospedagem, com a introdução de nova modalidade de cliente: a “hospedagem por assinatura”, onde o turista não pagará diárias e sim, taxas de uso. Serão mais de duas mil unidades em Gramado e mais de mil em Canela, criando um bolsão de negócios que não estava nos radares dos futurólogos e poderá salvar o destino.

Um hotel é para sempre

Roland Bonadona, CEO da ACCOR no Brasil por quase 30 anos, em palestra na Federasul em Porto Alegre, no ano de 2013, cravou uma frase emblemática: “um hotel é para sempre”, ao descrever o processo de pesquisa, projeto, construção e operação, que transpassa o calendário e o faz quase eterno, passando por crises econômicas, políticas e eventuais. Ele não disse mas poderíamos acrescentar as crises sanitárias, como as pandemias de 1918, de 1957, 1968 e de 2009. Então, pandemia não deveria ser novidade. Atualmente, com a superexposição midiática e a exacerbação dos ânimos políticos em muitas partes do mundo, todas as variáveis da vida tiveram um baque e a hotelaria faz parte disso. A indústria que produz cortesia e entrega sorriso, teve uma implosão estelar e se reduziu a um ponto insignificante no firmamento das atividades humanas, ao fechar mais de 95% de suas atividades e retorna de forma natural, da mesma forma que as árvores repõem suas folhas no final do inverno, não de uma só vez, mas, aos poucos, quase imperceptível, para colorir a primavera e voltar a frutificar.

Neste momento estamos vivendo nosso inverno e, mesmo timidamente, notamos alguma reação, que vem com o prenúncio da primavera e chegaremos no verão com produção suficiente para voltar a lotar as praias e movimentar as tardes tépidas da serra. Afinal, a terra também é para sempre, os humanos são bastante resistentes e nada fica parado no universo.

Contra-vapor

Assim que surgiu a primeira lista de hotéis e pousadas fechados pela pouca resistência de alguns, em uma proporção de 3% da oferta instalada, também apareceram players apresentando suas propostas de tomada do mercado. São protagonistas de outros setores menos afetados pela pandemia, nomeadamente do mercado financeiro, da agropecuária, do comércio e da construção civil, para compra, arrendamento ou administração. Essa “dança das cadeiras”, até poderá excluir permanentemente alguns atores, fazer desaparecer algum endereço que tenha “perdido o momento de reassentar”, não só por causa da pandemia e sim, também por causa de sucessão familiar ou por ter ficado no lugar errado com a evolução de suas cidades (por exemplo, uma nova estrada muda a rota de entrada na cidade e o hotel fica fora do fluxo). Esses endereços serão substituídos por novos investidores. Novos hotéis estão surgindo onde antes havia outras instalações, as quais também perderam seus assentos, seja pelas mudanças de hábitos, pela evolução da cultura ou da economia, como estamos vendo em algumas cidades, como Porto Alegre, Passo Fundo e Gramado, onde cinema, frigorífico e sítios de lazer se tornarão hotéis e resorts.

Grandes hotéis com formatos não-uni-propriedade e resorts em forma de clube de férias, mudarão o “jeito de hospedar e remunerar” trabalhadores, investidores e operadores. Condomínios hoteleiros trocarão de “roupa” para ostentar novas bandeiras e até o formato de investir e usar sofrerá modificadores nesse intervalo abrupto, involuntário, impiedoso a que o mundo foi submetido e, surpreendentemente, haverá um mercado maior, mais significativo economicamente, mais seguro para se investir e usufruir.

Pela visão otimista, em 2021 a hotelaria não apenas terá crescido em muitos destinos, como será mais saudável, mais evoluída tecnologicamente e mais segura economicamente que até 2019.

Em 2022, lembraremos desse período de 10 meses, sem saudade, porém, com o doloroso aprendizado de ter tido a carne cortada sem anestesia e, como recordação não dói, usá-la-emos como lição para o futuro e ouviremos com mais atenção os alertas, tanto da ciência, como da natureza. Como repisado em muitos momentos, pandemias são conhecidas desde os primórdios da humanidade e não deveria ser novidade. Os povos civilizados já deveriam ter desenvolvido estratégias para prevê-las e táticas para lidar com suas consequências.

Quase tudo voltará ao normal. Quase tudo!

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